Altíssimo foi o grau de santidade por ele alcançado
pela via da inocência. Nada de terreno o atraía, vivia em contemplação e todas
as suas ações estavam em conformidade plena com os desígnios
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Então, o que faremos, Irmão Luís? - perguntou o Padre Provincial, ao entrar no
quarto do enfermo.
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No meio dos
prazeres e honras da corte, o jovem
Luís permaneceu ancorado no desejo de se fazer religioso São Luís Gonzaga, aos 17 anos e meio de idade Óleo de autor desconhecido, da escola de Paulo Veronese |
- Estamos a caminho, Padre.
- Para onde?
- Para o Céu... Se não impedirem meus
pecados, espero, pela misericórdia de Deus, ir para lá.
Esta era a disposição de alma do
jovem noviço da Companhia de Jesus, que interrompera seus estudos de Teologia
por força de uma grave doença e há três meses jazia prostrado no leito. Oito
dias antes, predissera que estes seriam para ele os últimos.
Já pela manhã, pediu o Viático, o
qual só lhe foi trazido à tarde, por julgarem-no ainda com saúde. Passou o dia
em atos de fé, petição e adoração. Os padres jesuítas não se consolavam por
perder o santo irmão, e tentavam persuadi-lo de que sua hora ainda não chegara.
Ele, inflexível, respondia:
- Morrerei esta noite. Morrerei esta
noite.
Padres e noviços de todas as casas,
tendo sabido da predição de sua morte, acorreram para despedir-se dele,
encomendar-se às suas orações e pedir seus últimos conselhos. A doença
minara-lhe a saúde do corpo, mas a alma a cada momento crescia em santidade.
Assim, atendia a todos com afeto, prometendo lembrar-se deles no Céu.
Tendo anoitecido e vendo o Padre
Reitor que Luís ainda falava com facilidade, concluiu que não morreria nessa
noite e deu ordem aos irmãos para se recolherem a dormir. Ficaram no quarto
apenas dois sacerdotes para auxiliar o enfermo, além do seu confessor, São
Roberto Belarmino.
Luís não escondia sua profunda
alegria. Ir para o Céu, unir-se definitivamente com Deus: era o que mais
almejara durante sua curta vida!
Passado algum tempo, disse ao
confessor:
- Padre, podeis fazer a encomendação.
O sacerdote logo a fez, com muita
compenetração e devoção. Recolhido, calmo e confiante, Luís aguardava o momento
supremo, o qual não tardou: por volta das vinte horas, com os olhos fixos no
crucifixo que segurava em suas mãos, entrou serenamente nas terríveis dores da
agonia. Nenhum gemido lhe saiu dos lábios, seu olhar não se desviou um instante
sequer d'Aquele que tanto sofrera por nós na Cruz. Pronunciando o Santíssimo
Nome de Jesus, entregou sua alma a Deus na mais inteira paz.
Luís Gonzaga era dessas almas
diletas, sobre as quais Deus derrama graças e dons em superabundância para
mantê-las na inocência. Altíssimo foi o grau de santidade alcançado por ele
nessa via. Nada de terreno o atraía, vivia em contemplação e todas as suas
ações estavam em conformidade plena com os desígnios divinos.
Eis como o famoso dominicano Padre Garrigou-Lagrange
descreve uma alma nesse estado de perfeição:
"Depois da purificação passiva
do espírito, os perfeitos conhecem a Deus de uma maneira quase experimental,
não mais passageira, porém quase contínua. Não somente durante as horas da
Missa, do Ofício Divino ou demais orações, mas também no meio das ocupações
exteriores, sua alma permanece voltada para Deus. Por assim dizer, eles não
perdem sua presença e guardam a união atual com Ele.
" C o m p r e e n d e r e m o s
com facilidade a questão se a analisarmos em contraposição ao estado de alma do
egoísta. Este pensa sempre em si mesmo e, naturalmente, refere tudo a si;
entretém-se sem cessar consigo mesmo sobre suas veleidades, suas tristezas, ou
suas superficiais alegrias; sua conversa íntima, por assim dizer, é incessante,
mas vã, estéril e esterilizante para todos. O perfeito, ao contrário, em lugar
de pensar em si, pensa constantemente em Deus, em Sua glória, na salvação das
almas e, para isso, faz tudo convergir para este objetivo, como por instinto.
Sua conversa íntima não é consigo mesmo, mas com Deus".1
Vejamos alguns episódios da
existência terrena, breve, mas pervadida de santidade, de São Luís Gonzaga, que
refletem bem sua inocente alma.
Nasceu em 9 de março de 1568, no
castelo de Castiglione, Itália. Foi o primeiro filho de Dom Fernando Gonzaga,
Marquês de Castiglione e Príncipe do Sacro Império, e de Dona Marta Tana, dama
da Rainha Isabel de Valois.
Muito agradava à marquesa ver quão
bem seu filho assimilava, desde pequeno, suas maternais instruções de piedade.
Seu pai, porém, se inquietava, pois temia que a devoção o desviasse da carreira
das armas, à qual se destinavam os primogênitos.
Quando Luís tinha cinco anos de
idade, o marquês recebeu ordem de partir para Túnis à frente de três mil homens
da infantaria italiana e, devendo passar em revista as tropas na cidade de Casalmaior,
levou-o consigo, para acostumá-lo ao sabor das armas. Passou o menino lá alguns
meses e, na convivência com a soldadesca, aprendeu algumas palavras
indecorosas, as quais passou a repetir, sem saber seu significado.
De volta a Castiglione, foi repreendido por seu
preceptor, e não apenas nunca mais proferiu tais palavras, mas manifestava
grande enfado quando ouvia alguém pronunciá-las. Muito se envergonhou por essa
falta e, quando já religioso, costumava contá-la para "provar" como
fora mau desde criança.
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"No entardecer da nossa vida,
seremos julgados segundo o
amor". É para esse amor, em uma entrega total, que Deus nos chama desde a juventude. |
Quando Luís fez nove anos de idade,
Dom Fernando o levou, juntamente com seu irmão Rodolfo, para a corte do
Grão-duque da Toscana. A Providência Divina utilizou esses dois anos em que ele
viveu em Florença para fazê-lo progredir nos caminhos da santidade. A leitura
de um livro sobre os mistérios do Rosário fez desabrochar em sua alma a devoção
a Maria Santíssima.
Contribuiu também para tal a
fervorosa devoção a Nossa Senhora da Anunciata, venerada nessa cidade. Tanto se
lhe inflamou o coração pela Virgem que quis oferecer a Ela seu voto de
virgindade.
As diversas virtudes já eram robustas
em sua alma. Adquirira uma completa guarda dos sentidos, uma obediência total
aos superiores, além de um profundo recolhimento de alma e elevação de
espírito.
Deus rapidamente construía a bela
catedral da alma de Luís, o qual, com a simplicidade de uma criança, deixava-se
conduzir pelo Pai celestial. Tendo passado para a corte de Mântua, não só
conservou os hábitos de oração, mas sublimou-os pelas práticas de mortificação.
Obrigado pelos médicos a seguir uma dieta alimentar, para curar-se de uma
enfermidade, tomou tal gosto pela penitência que, ultrapassando as receitas
indicadas, entregou-se aos mais rigorosos jejuns. Considerava ter feito uma
lauta refeição quando comia um ovo inteiro!
De volta ao solar paterno, foi cumulado de graças
místicas extraordinárias. Quando se punha a considerar os atributos divinos,
experimentava uma tão grande consolação que derramava lágrimas suficientes para
empapar vários lenços. Algumas vezes ficava tão arrebatado que perdia
completamente os sentidos exteriores. Sua mente estava toda posta no
sobrenatural, e sobre
as coisas de Deus versavam todas as suas palavras.
as coisas de Deus versavam todas as suas palavras.
Em 1580, chegou a Castiglione o
Cardeal Carlos Borromeu, Visitador Apostólico do Papa Gregório XIII. Muito se
admirou o Cardeal por ver como aquele pequeno "anjo" discorria sobre
os temas da Religião. No final de duas horas de conversa com ele, decidiu o
Cardeal dar-lhe por primeira vez a Sagrada Eucaristia.
Aos treze anos de idade sentiu o
chamado religioso. Por ser ainda muito jovem, nada comunicou a seus pais, mas
redobrou suas austeridades. Aboliu o uso da lareira em seu quarto; levantava-se
de madrugada e, de joelhos, rezava durante longo tempo, mesmo durante os
rigores do inverno lombardo.
Cada vez mais inquieto à vista dos
progressos do filho na trilha da piedade, o Marquês de Castiglione decidiu,
para distraí-lo, dirigir-se com toda a família para Madri e colocá-lo como
pajem do filho do rei Felipe II. Luís, entretanto, com a alma ancorada em Deus,
permaneceu firme e resoluto em seus propósitos, no meio dos prazeres e honras
da corte.
"Para qual ordem religiosa sou
chamado?" - perguntava-se o jovem pajem. Optou pela Companhia de Jesus.
Além da nobre função do ensino à qual esta se dedicava, motivou essa escolha o
fato de os jesuítas serem proibidos, pela regra, de ascender a qualquer cargo,
salvo se por ordem direta do Papa. Assim, renunciaria para sempre não só às
honras do mundo, mas também às eclesiásticas.
Gritos de cólera e ameaças de açoites foi a
resposta do marquês ao pedido de seu filho para entregar-se a Deus, na Ordem
fundada por Santo Inácio. Usou de sua influência para conseguir que algumas
altas dignidades eclesiásticas tentassem dissuadi-lo de sua vocação, ou ao
menos fazê-lo entrar por um caminho que conduzisse às possíveis honras do
cardinalato. Não tiveram sucesso
maior que o das ondas furiosas do mar sobre a rocha. Pediu-lhe o pai, então, que esperasse a volta à Itália para decidir. Não podia se conformar em perder aquele filho tão dotado, no qual pusera toda a esperança da principesca casa dos Gonzaga.
maior que o das ondas furiosas do mar sobre a rocha. Pediu-lhe o pai, então, que esperasse a volta à Itália para decidir. Não podia se conformar em perder aquele filho tão dotado, no qual pusera toda a esperança da principesca casa dos Gonzaga.
Começou, então, um período de dois
árduos anos de luta para conquistar a permissão paterna de abandonar tudo e
seguir a Cristo. Foi a mais dura - e talvez a mais gloriosa - fase de sua vida.
Essa luta encerrou-se com um episódio comovedor: certo dia o marquês, olhando
pelo buraco da fechadura do quarto de seu filho, viu-o ajoelhado e se
flagelando. Só então dobrou-se e lhe deu a tão almejada autorização.
"Que alegria quando me vieram
dizer: vamos subir à casa do Senhor!" (Sl 121, 1). Chancelada pelo
imperador a renúncia pública a seus direitos de filho primogênito, entrou Luís
no noviciado da Companhia de Jesus, em Roma. Em todos os lugares por onde
passou, o nobre religioso deixou atrás de si o suave aroma de suas virtudes.
Despojou-se de tudo quanto podia lembrar sua antiga condição, buscando para si
as humilhações e o último lugar. Chegava a enrubescer de vergonha ao ouvir
elogios à nobreza de sua família.
Os noviços disputavam lugar a seu
lado nas horas de recreação, pelo prazer de participar de suas elevadas
conversas. E consideravam seus objetos pessoais como verdadeiras relíquias. No
estudo de Filosofia e Teologia, mostrou-se tão sábio que defendeu, com
aplausos, uma tese diante de três Cardeais e outras autoridades. Vendo seus
superiores o valor da joia que tinham em mãos e, ao mesmo tempo, a fragilidade
de sua saúde, multiplicaram os desvelos por ele. Recorreram em vão a uma
mudança de ares, na esperança de que lhe faria bem. À vista do insucesso dessa
terapêutica, o Padre Reitor deu-lhe ordem de, por um determinado período, não
se deter em pensamentos elevados, pois talvez estes o estivessem
prejudicando...
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Luís Gonzaga era
dessas almas diletas, sobre as quais
Deus derrama graças e dons em superabundância para mantê-las na inocência
"Morte de
São Luís Gonzaga" - Museu da Santa
Cova de Manresa (Espanha) |
Permitiu a Providência esse equívoco
para fazer brilhar mais ainda as qualidades de alma daquele "anjo".
Dessa vez a obediência, por ele tão amada, custou-lhe grandes esforços: sair de
seu constante estado de oração - confessou a um de seus companheiros - era um
enorme tormento, pois, mal se distraía, seu pensamento voava para a
consideração dos mistérios divinos.
Em 1591, sua caridade para com o
próximo encontrou uma ótima ocasião para expandir-se até o heroísmo: atender as
pobres vítimas da peste que assolava a Cidade Eterna. Não tardou, porém, em ser
ele próprio contagiado. Mas Deus, que decidira colher tão cedo este viçoso
lírio, não quis levá-lo antes de ele espargir seus últimos perfumes. Três meses
de uma febre ardente, aceita com total abnegação, encerraram os 23 anos de sua
permanência na Terra.
Seu confessor, São Roberto Belarmino,
afirmou que São Luís tinha levado uma vida perfeita e fora confirmado em
graça.2 Mais tarde, declararia Santa Madalena de Pazzi, a propósito de uma
visão que tivera da glória imensa da qual gozava no Céu este filho de Santo
Inácio de Loyola: "Enquanto viveu, Luís manteve seu olhar sempre atento em
direção ao Verbo, e é por isso que ele é tão grande. [...] Oh! Quanto ele amou
na terra! É por isso que hoje no Céu possui Deus numa soberana plenitude de
amor".3 Luís Gonzaga foi beatificado por Paulo V, em 1605, e canonizado a
13 de dezembro de 1726, por Bento XIII, quem o declarou padroeiro da juventude.
"No entardecer de nossa vida, seremos julgados
segundo o amor".4 É para esse amor, em uma entrega total, que Deus nos
chama desde a juventude, tal qual o fez ao moço rico do Evangelho: "Vem e
segue-Me!" (Mt 19, 21). Que a juventude atual - tão carente de modelos a
seguir e tão confundida acerca do amor - não tome a atitude do moço rico,
entristecendo-se por ter de desapegar-se das coisas do mundo, mas reencontre o
exemplo de seu patrono, São Luís Gonzaga. A isso a incentivou o saudoso Papa
João Paulo II, dirigindo-se aos jovens de Mântua: "São Luís é sem dúvida
um santo a ser redescoberto em sua alta estatura cristã. É um modelo indicado
também à juventude de nosso tempo, um mestre de perfeição e um experimentado
guia no caminho da santidade. ‘O Deus que me chama é Amor, como posso
circunscrever este amor, quando para isto seria pequeno demais o mundo
inteiro?'- lê-se em uma de suas anotações".5 (Revista Arautos do Evangelho, Junho/2010, n. 102, p. 34 à 37)
FONTE: Arautos do Evangelho
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